A CBF criou em 2016 um órgão de resolução de disputas para julgar os litígios envolvendo clubes, atletas, treinadores e agentes (clique aqui para saber mais). No final de 2022, a entidade decidiu publicar suas deliberações. Assim, é possível saber como o órgão tem entendido alguns assuntos relacionados a atividade do futebol. Neste artigo analisaremos as decisões da CNRD e a atividade dos empresários.
As decisões analisadas compreendem o período de 2018 a 2021. Separamos o texto a seguir por tópicos de modo a facilitar a leitura.

Emissão de notas fiscais para o pagamento de comissão
É comum que em contratos de representação firmados entre um empresário e um clube/atleta haja a fixação de um valor de comissão pela atividade desempenhada pelo primeiro. Muitas vezes, o valor devido só é exigível mediante a emissão de nota fiscal.
Nessa circunstância, é possível exigir o pagamento das comissões mesmo sem a emissão da nota fiscal?
Na visão da Câmara, uma vez que esteja previsto em contrato, a apresentação de nota fiscal pode ser condição para o efetivo direito ao recebimento da comissão. Isto porque, em transações comerciais, é o credor que deve arcar com o ônus de efetuar os cálculos e descontos tributários do valor a ser recebido (CNRD 2020/I/591 e 2020/I/527).
Validade do contrato com assinatura do presidente do clube
No âmbito da CNRD, muito se discute acerca da validade de um contrato de representação entre um empresário e um clube em que se tem a assinatura do presidente e não consta a do vice-presidente responsável pelo departamento de finanças.
Existe violação estatutária que invalida a eficácia do contrato de representação?
Em mais de uma situação, os clubes tentam se desvincular da obrigação de pagar a comissão alegando que o contrato de representação não assinado por um membro pode violar as diretrizes estatutárias e invalidar o documento.
Ocorre que, uma vez que o próprio presidente do clube tenha assinado o contrato de representação, a vontade da agremiação está devidamente observada (CNRD 2020/I/571, 2020/I/534, 2019/I/359 e 2019/I/366)
O próprio STJ (REsp n.º 681.856/RS) já se manifestou favorável à eficácia do contrato que não conta com a assinatura de um vice-presidente pela aplicação da teoria da aparência, ou seja, se o documento foi assinado por quem seria o responsável pelo clube para atuar naquela negociação, e se o empresário agiu de boa-fé, não há como alegar descumprimento estatutário.
Aplicação de juros e correção monetária
Caso o contrato de representação não preveja o índice aplicável para a incidência de juros em caso de inadimplemento do pagamento da comissão deve-se aplicar a regra do Código Civil Brasileiro (art. 406), que determina a fixação dos juros segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional – o que representa hoje 1% ao mês (art. 161, §1.º do Código Tributário Nacional).
Já a correção monetária obedece ao disposto nos arts. 395 e 397 do CC e corresponde a um direito do credor em manter o valor da moeda durante o período de inadimplemento. Assim, o valor é corrigido desde a data que deveria ter sido pago de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) (CNRD 2020/I/530).
Rebaixamento do clube como motivo para inadimplemento
É relativamente comum o clube tentar se desobrigar do pagamento da comissão alegando dificuldade financeira em razão do seu rebaixamento de divisão ou outro problema de continuidade das suas atividades.
De acordo com a Câmara, o rebaixamento do clube é um dos riscos de sua atividade, o qual deve ser previsto e considerado ao elaborar contratos dos quais é parte. Em outras palavras é o risco do negócio futebol.
No entanto, a decisão poderia ser diferente se houvesse alguma previsão no contrato de representação de que o pagamento da comissão sofreria reajuste ou dilação de prazo caso houvesse um rebaixamento, nesse caso poderia ser alegado justo motivo por parte do clube (CNRD 2020/I/476 e 2019/I/374)
Cláusula de eleição de foro
É comum os contratos de representação preverem uma cláusula de eleição de foro, determinando uma justiça específica para decidir sobre os problemas advindos com o descumprimento do acordo.
Contudo, ainda que se escolha a justiça comum para esse tipo de contrato, a cláusula não afasta a aplicação das normas derivadas dos estatutos e regulamentos da FIFA e CBF, nem a competência sancionadora dos seus órgãos.
Em outras palavras, o clube, atleta e empresário aceitam expressamente fazer parte do sistema do futebol administrado e regulado por aquelas entidades.
Art. 23 – As Federações filiadas e todos os clubes disputantes de competições oficiais constantes do calendário anual do futebol brasileiro, assim como todos os jogadores, árbitros, treinadores, intermediários, médicos e quaisquer outros dirigentes ou profissionais pertencentes aos clubes ou ligas das Federações filiadas se comprometem a acatar as decisões da Justiça Desportiva, do Tribunal Arbitral, da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) e da Comissão de Ética.
Ainda que, pelo contrato, o local para discutir litígios seja a cidade X, a renúncia a um direito deve ser interpretada estritamente (art. 114 do CC), permitindo-se concluir que não está afastada a competência da CNRD (CNRD 2019/I/388, 2019/I/335, 2019/I/339).
Comissão proporcional ao tempo de contrato de trabalho
É comum que em contratos de representação firmados entre empresário e clube haja uma cláusula com o objetivo de relacionar o pagamento da comissão ao regular cumprimento do contrato negociado. Em outras palavras, a medida que o contrato de trabalho for sendo cumprido, o empresário terá direito a receber parcelas da comissão.
Segundo a CNRD, essas cláusulas são válidas e exigíveis. Contudo, em contratos cujo valor da comissão é certo e não há previsão de proporcionalidade ao tempo de permanência do atleta/treinador no clube, o entendimento é de que o valor da comissão é único e se configura com a mera assinatura do contrato de trabalho (CNRD 2019/I/338).